As recentes manifestações ocorridas
nas ruas em dezenas de cidades brasileiras, suscitaram-me escrever algo sobre
diferentes posições teológicas históricas de futuro, considerando um eventual
dilema no seio dos evangélicos entre sair às ruas ou esperar o céu, em relação
às questões existenciais tais como saúde, educação, política, transportes e segurança.
Quanto ao campo da escatologia
(gr. escathos [últimas coisas] + logia [estudo]), há,
basicamente, quatro concepções: milenarismo, pré-milenarismo, pós-milenarismo e
amilenarismo.
O MILENARISMO
No século 19, predominou,
entre os crentes norte-americanos, o milenarismo, originário da palavra
“mil”, em referência ao milênio, ou seja, o reinado de mil anos de Cristo
mencionado em Apocalipse 20.1-8. O milenarismo também ficou conhecido como quiliasmo,
do grego chilias, “mil”.
1.
O Foco é
a Segunda Vida de Cristo que está Próxima
O esquema milenarista surgido
durante as décadas de 1840-50 fundamentou o adventismo, ou seja, a ênfase
exacerbada à segunda vinda de Jesus à Terra, que considerava iminente, para
salvar os justos e aniquilar os pecadores, do que surgiram, então, os
russelitas, ou testemunhas de Jeová, e os adventistas, que se manifestaram
fortemente nesse período. Os adventistas, embora recusassem datar o retorno de
Jesus, geralmente concordavam com Arthur T. Pierson, que concluíra, através de
doze métodos independentes de cálculos proféticos, que uma grande crise mundial
aconteceria provavelmente entre os anos de 1880 e 1920. Seus contemporâneos
estavam vivendo dentro desse processo. A teologia escatológica de Arthur T.
Pierson fora articulada por John Nelson Darby, principal líder dos Irmãos de
Plymouth, os quais enfatizavam a chegada do milênio ou o fim do mundo.
2.
A Igreja
Neotestamentária será Restaurada no Fim dos Tempos
O restauracionismo alimentava uma
expectativa para o fim dos tempos, com a organização da verdadeira igreja com a
presença de apóstolos e profetas. A “Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias” (mórmons), organizada em 1830, por exemplo, sustentava que a
verdadeira igreja fora divinamente restaurada nesse ano. Guiados por um
“profeta” que era rodeado por apóstolos, os mórmons, como se tornaram conhecidos,
pretendiam passar para a cultura religiosa da época a ideia de que haviam
restaurado completamente o estilo do cristianismo do Novo Testamento.
Enquanto o apelo de tais grupos
alcançava alguns frutos das metas dos restauracionistas, outros de menor estrutura
surgiram, influenciando mais diretamente o pentecostalismo norte-americano,
como “Shiloh”, de Frank Sandford, a “União Cristã”, e “Santos da Undécima
Hora”, para não citar outros. Um que teve influência direta sobre a Assembleia
de Deus norte-americana foi John Alexander Dowie. Ele estava certo de que
ocorreria uma plena restauração da experiência neotestamentária nos fins dos
tempos do cristianismo, da mesma forma que ocorrera com os dons ministeriais
contidos nas epístolas paulinas. A visão restauracionista de Dowie era muito
semelhante à versão pentecostal.
O PRÉ-MILENISMO
Tanto os pós quanto os
pré-milenistas são, rigorosamente falando, milenistas no sentido de que esperam
que o Milênio irá ocorrer em alguma época do futuro. Jesus voltará pessoalmente no fim da era da Igreja e estabelecerá o seu reino na Terra durante mil anos.
O pré-milenismo, que espera a
segunda vinda de Cristo antes do estabelecimento do Milênio de Apocalipse 20,
veio a caracterizar a escatologia pentecostal, em contraste com o
pós-milenismo. Embora as compreensões dos pentecostais sobre a escatologia não
fossem unicamente pentecostais, mas amplamente compartilhadas com as igrejas
fundamentalistas (e muitas evangélicas). Os pentecostais, contudo, eram únicos
em ver o derramamento do Espírito como o cumprimento, em si mesmo, da profecia
sobre o fim dos tempos.
Os pré-milenistas, mais adiante,
vieram a ser divididos em historicistas e futuristas.
Os historicistas viam o
cumprimento das profecias ocorrendo dentro da era histórica da igreja. Esta
perspectiva foi desacreditada pelos milenistas no meado do século 19.
Os pentecostais tornaram-se
predominantemente futuristas, esperando o principal cumprimento das profecias
bíblicas apoiando-se no futuro, e quase todos criam que esse cumprimento era
iminente.
Uma variante da posição
futurista, conhecida como dispensacionalismo, foi desenvolvida por John Nelson
Darby. Ele cria que a história podia ser dividida em sete eras ou dispensações,
em cada uma das quais Deus se relacionara com a humanidade de uma maneira
diferente. Estamos na sexta dispensação - a da Graça, que é a era da Igreja do Senhor. A era da Igreja é parentética: a profecia bíblica se cala a respeito
dela. A Igreja e Israel são vistos como dois povos de Deus distintos, cada
qual com um papel específico. Essa visão foi popularizada nos Estados Unidos especialmente
pela Bíblia de Referência Scofield (1909) e tornou-se o pensamento que
dominou o pentecostalismo norte-americano. A era vindoura é a do Reino.
Os futuristas foram,
posteriormente, divididos em pré-tribulacionistas e pós-tribulacionistas. A
maioria dos pentecostais adotou a visão do movimento profético, prevalecente no
fim do século 19, a da expectativa do rapto, ou retirada, da igreja antes do
período da tribulação. Alguns, contudo, continuaram a pensar que a igreja sobreviveria
na Terra, durante a grande tribulação, até que Cristo viesse para instalar um
reino terrenal. Um segmento bem menor previa o rapto no meio da grande
tribulação, a visão mesotribulacionista. A doutrina do rapto
pré-tribulacionista levou os pentecostais a pregarem, por um lado, uma mensagem
pessimista do juízo iminente, com “guerras e rumores de guerras” como um sinal
do tempo do fim, e por outro lado, a mensagem otimista da “bem-aventurança” do
rapto da igreja.
A visão adjacente sobre temas
morais da maioria dos pentecostais ao cumprimento das profecias dos últimos
dias foi caracterizada como antinomianismo. Sendo o cumprimento das profecias
predestinado pela vontade determinada de Deus, esse cumprimento era visto como
um sinal do fim e era, na visão dos pentecostais, justificada – não sujeita à
medida comum das leis morais de Deus. O fim justificava os meios. Eles
aplaudiam a restauração de Israel, sem se importar com quais meios empregados,
embora, ao mesmo tempo, deplorassem a crescente taxa de crimes e desejassem
reverter a tendência. Contudo, eles viam ambos os fenômenos como cumprimento da
profecia bíblica. A aplicação do princípio não foi consistente. Este problema
moral não era novo, como evidenciado pela declaração de Jesus sobre sua própria
traição: “E, na verdade, o Filho do Homem vai segundo o que está determinado;
mas ai daquele homem por quem é traído!” (Lc 22.22).
O PÓS-MILENISMO
O pós-milenismo prevê que a
igreja vai instalar gradualmente um milênio cristão, após o qual Cristo retornará
como Rei.
Os pós-milenistas tratam os mil
anos do Milênio como uma extensão da Era da Igreja, quando, segundo eles,
mediante o poder do evangelho, o mundo inteiro será conquistado para Cristo. Ou seja, Cristo governará sem estar fisicamente presente. Eles também espiritualizam as profecias do Antigo Testamento, e não há lugar no
seu sistema para uma restauração do Israel nacional ou um reino literal de
Cristo na terra. Embora alguns admitam que haverá um ressurgimento do mal
imediatamente antes de Cristo voltar de modo “cataclísmico”, a maioria espera
uma grande divulgação do evangelho, que tornará mais próxima a volta de Cristo.
Eles ensinam que essa era
presente é o Reino de Deus, e que os cristãos devem lançar mão do poder de Deus
para completá-lo, algo que “poderia ter acontecido há mil anos, se a igreja
daqueles dias tivesse chegado à maturidade necessária”. Acreditam que Cristo
voltará a um mundo no qual a igreja terá assumido o domínio “sobre todos os
aspectos da estrutura social”. A igreja deve reconquistar o controle sobre
todos os reinos deste mundo. Alguns dizem que a igreja precisa abater toda
forma de governo que se opõe a Deus. Até mesmo a morte precisa ser “totalmente
conquistada antes da volta de Cristo”.
Muitos não acreditam na doutrina
do Arrebatamento e, pelo contrário, procuram a vitória e o domínio ao
estabelecerem o Reino de Deus na terra. A maioria deles é preterista, e
acredita que a Grande Tribulação aconteceu no século primeiro. Acreditam,
também, que “o Israel étnico foi excomungado pela sua apostasia” e que “Cristo
transferiu as bênçãos do reino de Israel para um novo povo, a Igreja”.
Desconsideram os numerosos trechos bíblicos que demonstram que Deus ainda tem
um propósito para o Israel nacional no seu plano.
1. O
Reino Agora ou Dominionismo
Pat Robertson, fundador da
Christian Broadcasting Network (CBN) e do Clube 700, Bill Hamon, Larry Lea,
Thomas Reid, Earl Paulk e muitos outros destacados líderes e mestres de
movimentos de renovação são proponentes do ensino pelo qual afirmam que Jesus
só voltará à terra quando “a igreja” subjugá-la e governá-la. É uma forma de
pós-milenismo chamado “Reino Agora” ou “Domínio”, que enfatiza transformar os
reinos deste mundo no reino de Cristo. Na verdade, esse ensino tem origem em
várias correntes teológicas e permeia diversos movimentos inter-relacionados, como
Movimento Chuva Serôdia, Manifestação dos Filhos de Deus, Dominionismo,
Movimento Profético, Restauracionismo e Confissão Positiva.
A
igreja precisa lutar para retomar o domínio conquistado por Satanás por
ocasião da queda. Larry Lea e outros promovem conferências sobre a Teologia do
Domínio em todo o país. E Pat Robertson disse:
Quero imaginar uma sociedade onde os membros da igreja
dominem sobre as forças do mundo, onde o poder de Satanás esteja amarrado pelo
povo de Deus, e onde não existam mais doenças, e onde não exista mais possessão
demoníaca...
Veremos uma sociedade onde as pessoas sejam seres
divinos, vidas morais, e onde o povo de Deus tenha muito para emprestar e não
precise tomar emprestado... e o povo de Deus seja o povo mais honrado da sociedade...
sem drogas... a pornografia não tenha acesso a nenhum público... o povo de Deus
herde a terra... exista um presidente na Casa Branca cheio do Espírito, os
homens no Senado e na Câmara dos Deputados, cheios do Espírito e adorando a
Jesus, e os juízes fazendo o mesmo...
Você pode dizer: Isto é uma descrição do Milênio,
quando Jesus voltar... [mas] essas coisas... podem acontecer agora, neste
tempo... e elas vão acontecer, porque estou convencido de que estamos à beira
do maior avivamento espiritual que o mundo jamais conheceu!... Milhares de
pessoas entrarão no Reino... nos próximos anos... conseguiremos compreender a
natureza da prosperidade e nos preparar para o que Deus vai fazer... Deus vai
nos colocar em posição de liderança e responsabilidade, e vamos conseguir
pensar dessa maneira... guardem minhas palavras, no próximo ano, dois anos...
nos próximos três ou quatro, veremos coisas acontecerem que fatalmente
perturbarão nossas mentes! Glória a Deus! (Extraído de um discurso proferido no
Satellite Network Seminar, realizado de 9 a 12 de dezembro de 1984, no Word of
Faith World Outreach Center, de Robert Tilton, em Dallas,Texas. Citado em
Moriarty, pp. 164-65.)
2. A Manifestação dos Filhos de Deus
O Movimento Chuva Serôdia nos
EUA, nos anos 40, deu origem a numerosos outros subensinos. Um deles foi o da
“Manifestação dos Filhos de Deus”, dividido em dois grupos principais: The Walk
(O Caminho) e Body of Christ (Corpo de Cristo). O Caminho originou-se do Chuva
Serôdia sob o “apostolado” de John Robert Stevens, que, como Paul Cain e
outros, era discípulo de William Branham. Ele pastoreou igrejas da Assembleia
de Deus (AG) e depois fundou a Church of the Living Word (Igreja da Palavra
Viva), em Redondo Beach, Califórnia.
Como um dos mais militantes
movimentos que tenta estabelecer o Reino de Deus na terra, seus ensinos são,
talvez, os mais definidos entre as doutrinas da Teologia do Reino Agora. Eles
têm todos os elementos da teoria clássica do dominionismo: imortalização,
restauração dos ofícios de apóstolo e profeta, autoridade absoluta, capacidade
divina – você determina e consegue.
Eles enfatizam “novos níveis de
revelação” por meio de apóstolos e ensinam três doutrinas não-ortodoxas:
1) a humanidade pode se tornar
divina;
2) erradicação do pecado; e
3) os crentes podem se tornar
Cristo (atual imortalidade dos santos).
O movimento sofreu dispersão
maciça como resultado de muitos escândalos que o elevaram à posição extrema de
seita. Devido à associação com o Movimento Manifestação dos Filhos de Deus causar-lhes
embaraços, poucos admitem hoje pertencerem ao movimento. Não obstante seus
devotos, fervorosos em suas crenças, continuarem secretamente a espalhar suas
doutrinas em outras igrejas, e estas serem assimiladas por outros grupos
pentecostais, principalmente a teoria do dominionismo, expressa nos movimentos
de guerra espiritual e de sinais e maravilhas, especialmente com a sua faceta
mais popular, a da necessidade de neutralizar os “espíritos territoriais”.
O AMILENARISMO
Os amilenistas não entendiam o
Milênio como um período específico na história. Negam que Apocalipse 20 refira-se a um período literal de mil anos. Para eles, não haverá nenhum reino futuro de Cristo na Terra. A visão Reformada moderna e
medieval tendia a ser amilenista, vendo o Milênio simplesmente como um símbolo
da era da igreja. Alguns espiritualizam o Milênio e dizem que ele representa o reino atual de Cristo no céu durante a totalidade da era da Igreja.
Texto elaborado com base em: Dicionário do Movimento Pentecostal, CPAD, 2008, p. 592-593, 611-612, 619-620; Teologia Sistemática - uma perspectiva pentecostal, Stanley M. Horton, CPAD, 1996, p. 783, 797.
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